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    Lei de Seguro precisa de ajustes, conclui estudo da Comissão da OAB-SP

    2017-12-29

    Fonte: Sonho Seguro

    Por Márcia Alves
     
    A proposta de criação de uma inédita Lei de Contrato de Seguro – que hoje está em análise no Senado Federal na forma do PLC 29/2017 -, foi concebida com o propósito de garantir mais proteção ao consumidor de seguros. Na prática, porém, segundo as conclusões do estudo produzido pela Comissão de Direito Securitário da OAB-SP, a proposta comete diversos equívocos, resultando em um protecionismo exacerbado a todo e qualquer segurado.
     
    De acordo com o estudo, o projeto não faz a devida diferenciação entre segurados de seguros massificados e segurados de grandes empresas. Se a proposta for aprovada sem alterações, o estudo avalia que poderá gerar impactos negativos para a atividade seguradora, como aumento da judicialização, majoração do prêmio de seguro, insegurança jurídica e a consequente saída de seguradoras e resseguradoras estrangeiras do país.
     
    Na visão de Débora Schalch, presidente da Comissão de Direito Securitário, está faltando equilíbrio à proposta de Lei de Contrato de Seguro. “A OAB-SP não é contrária a esta lei, mas deseja contribuir para aprimorá-la. Não se pode aprovar uma lei com potencial para comprometer os resultados excelentes de um setor que é uma das alavancas da economia brasileira”, disse ela durante a abertura o evento que apresentou o estudo, realizado no dia 7 de dezembro, em São Paulo.
     
    Para o advogado João Paulo Balthazar Leite, membro da Comissão, tratar os grandes segurados como se fossem hipossuficientes ocasionará consequências desastrosas ao mercado. “Caso o PL seja promulgado tal como está será a própria massa de segurados, principalmente os hipossuficientes, que mais sofrerá suas consequências, arcando com aumento de prêmio e perdendo o poder de contratação de coberturas”, disse.
     
    Desde o projeto original, a proposta de Lei de Seguros dedica um capítulo exclusivo ao resseguro. Daí porque, Bárbara Bassani, membro da Comissão, considera que nesse aspecto a proposta envelheceu. Ela se preocupa, ainda, com a possibilidade de aprovação do regime de aceita tácita, previsto no PL, que poderia causar aumento de preços e afugentar novos players do mercado.
     
    Para Bárbara Bassani, não tem sentido o projeto estabelecer que as prestações de resseguro adiantadas à seguradora deverão ser utilizadas para indenização ao segurado. “São questões de âmbito privado do contrato. Isso vai além da ingerência sobre o uso do dinheiro e, certamente, terá impacto regulatório”, disse. A advogada também questiona a preferência absoluta dos créditos do segurado, prevendo que se a regra for aprovada haverá aumento de litigiosidade. “Segundo a Lei de Falência, não pode haver credor privilegiado”.
     
    No capítulo que trata do seguro de terceiro, o projeto define que o estipulante poderá substituir processualmente o segurado. O professor Antonio Carlos Marcato, consultor da Comissão, não apenas discorda, como também enxerga o seríssimo risco de decisões divergentes nos tribunais. “Se o segurado e o estipulante ingressarem em juízo e se os processos não forem trazidos ao mesmo juiz, poderá haver decisões distintas”, disse.
     
    Marcato identificou problemas na substituição processual no âmbito do cosseguro, já que o PL define que a cosseguradora líder terá legitimidade para defender as demais. “A fase de execução poderá se fragmentar, porque a execução em relação à líder se concretiza com o quinhão da mesma. Mas, se o exequente quiser receber a totalidade do seu crédito, terá de processar a todas”, disse.
     
    Hoje, está consolidado no setor o prazo de prescrição de um ano contado a partir da ocorrência do sinistro. Mas, o PL propõe que esse prazo comece a partir da data de recusa da seguradora. “Significa que o segurado poderá aguardar por anos até a comunicação do sinistro. Mas, somente depois da recusa é que se iniciará a contagem do prazo prescricional”, disse Marcos Nakamura, membro da Comissão.
     
    Para a advogada Marcia Cicarelli, trata-se de um grande retrocesso a determinação do projeto para que a arbitragem seja realizada no país e com as leis brasileiras. “É como se a parte não tivesse capacidade de decidir como seu direito disponível será tratado”, disse. Ela destacou que a liberdade de contratar é o principal pressuposto da arbitragem, bem como o poder das partes de manifestarem a sua vontade um princípio basilar do direito contratual.
     
    Em relação à obrigação do responsável pela resolução do litígio de divulgar o resultado das decisões em “qualquer repositório de fácil acesso”, Marcia Cicarelli considera até louvável, porém, alerta que não se pode ir contra a confidencialidade. A advogada também lembrou que o Brasil é signatário da Convenção de Nova Iorque, a qual permite que as partes demonstrem sua anuência à cláusula de arbitragem. “O projeto acaba negando essa opção, o que pode gerar insegurança jurídica e conflitos”, disse.
     
    O capítulo do projeto que trata da regulação de sinistros, na opinião da advogada Tatiana Algodoal Rosa, foi construído a partir de premissas equivocadas relacionadas à competência, ao dever de informação, à liberdade de contratar e à própria regulamentação do setor. A principal distorção do PL, a seu ver, é a ausência de distinção entre seguros massificados e grandes riscos, assim como entre o hipossuficiente e o grande segurado.
     
    Com relação ao artigo 78, o qual define que cabe exclusivamente à seguradora a regulação de sinistros, Tatiana Rosa questiona a aplicação da regra no caso, por exemplo, de contrato de resseguro com cláusula de colaboração. Da mesma forma, ela não vê sentido na menção ao adiantamento da indenização, bem como na obrigação da seguradora, em caso de sinistro, de adequar suas provisões e de efetuar em 30 dias o pagamento, já que essas questões estão previstas em clausulados e são supervisionadas pela Susep.
     
    No caso do dispositivo do projeto que coloca o dossiê do processo de regulação do sinistro como documento comum às partes, a advogada enxerga um grande problema. Segundo ela, toda documentação produzida à custa da seguradora ou por ela obtida durante o processo, não configura documento comum. Além disso, caso o relatório de regulação tenha sido elaborado por um advogado ou escritório de advocacia, será protegido pelo sigilo profissional. “Esse capítulo deixa a seguradora vulnerável, na medida em que interfere na regulação de sinistros”, disse.
     
    Débora Schalch encerrou o evento, informando que as sugestões da Comissão serão encaminhadas ao Senado Federal. “Não temos intenção de barrar o projeto, mas de fazer com que essa lei seja amplamente discutida e equilibrada”, disse.