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    Presidente da Terra Brasis faz críticas às mudanças na regulamentação do resseguro

    2015-07-21

    Fonte: Sonho Seguro

    Por Paulo Botti, presidente da Terra Brasis, resseguradora local.
     
    Nascido em 2008 após árduo trabalho e amplo diálogo entre governo e iniciativa privada na definição das regras para sua abertura, o Mercado Brasileiro de Resseguros pode ter um futuro bastante promissor se der continuidade a sua evolução de forma bem estudada, planejada e dirigida.
     
    Pela sua natureza pode se transformar numa das indústrias financeiras mais sofisticadas do país, abrigando profissionais locais altamente qualificados, colaborando para o desenvolvimento do mercado de seguros e criando no Brasil um Polo Regional de Resseguros que não só retenha e invista no país grande parte dos prêmios aqui gerados mas também traga do exterior divisas para grandes investimentos locais.
     
    Mudanças nas práticas e na regulamentação visando aprimorar o mercado são sempre bem-vindas e várias delas são necessárias. Existe entretanto o risco de que, sem qualquer consulta a segmentos que investem e atuam no setor, alterações que não trazem nenhum beneficio ao mercado brasileiro nem aos segurados nem ao Brasil, por pressões externas e internas sejam implantadas e façam da indústria de resseguros local um simples instrumento de “fronting” para a transferência ao exterior dos prêmios de resseguro e de seguros.
     
    Esta possibilidade traria enorme frustração às expectativas de um jovem, promissor, sofisticado e entusiasmado mercado ressegurador local, enfraquecendo também o mercado segurador doméstico, limitando a base de investidores institucionais nacionais e trazendo enormes prejuízos financeiros e técnicos de longo prazo para o país.
     
    A abertura do Resseguro em 2008, por uma feliz coincidência conjuntural de fatos e pela disposição de profissionais do governo e do setor privado a um trabalho conjunto, foi planejada e feita com grande êxito. Baseada numa politica que buscou ao mesmo tempo incentivar a formação de Resseguradores Locais no Brasil e atrair capacidade de Resseguradores Internacionais operando de suas matrizes no exterior, a abertura obteve até hoje grande sucesso:
     
    – O Brasil tem 16 Resseguradoras Locais, formando no seu conjunto o triplo do patrimônio liquido e da capacidade de subscrição de riscos que existiam na época do monopólio do IRB;
    – Mais de 100 Resseguradores Estrangeiros, através de suas matrizes localizadas no exterior, são licenciados para aceitar resseguros do Brasil;
    – De alguma forma, localmente ou através de suas matrizes no exterior, 36 dos 40 maiores Resseguradores mundiais atuam no mercado brasileiro de resseguros.
     
    Temos portanto, como era o objetivo da abertura, capacidade de subscrição local e internacional de sobra e uma grande geração local de empregos de alto nível, supridos por um mix de profissionais experientes com jovens de enorme potencial e dedicação.
     
    A distribuição entre os prêmios de resseguro retidos no Brasil e os prêmios enviados ao exterior está há algum tempo mantendo um certo equilíbrio. Perto de 35% do premio de resseguro é retido no Brasil e 65% enviado ao exterior, diretamente pelas seguradoras ou através de retrocessão das resseguradoras locais.
     
    O percentual de 35% do premio que é retido localmente, inferior ao da época do monopólio, quando a retenção era em torno de 50%, era esperada e é natural neste estágio de operações de um mercado jovem que, apesar de contar com o triplo da capacidade que tinha na época do monopólio, enfrenta forte concorrência dos mercados tradicionais estrangeiros. Os investimentos financeiros e técnicos que vem sendo feitos pelas resseguradoras locais, seus visíveis e contínuos aprimoramentos, a proximidade físicas com as seguradoras brasileiras e o conhecimento das necessidades do mercado local, podem fazer com que a participação local brasileira cresça e supere os patamares anteriores.
     
    Entretanto muito se tem discutido ultimamente sobre o futuro do mercado brasileiro de resseguros. Uma corrente luta para a manutenção da estratégia original de incentivo ao mercado local, que tem demonstrado sucesso no caminho de criar no Brasil um mercado de resseguros forte, um Polo de Resseguros Regional, como vários outros formados ou se formando por várias regiões no mundo. Para isto defende o aprimoramento constante e sem sobressaltos da estrutura regulatória, sempre precedido de consultas e discussões com todos os setores participantes do mercado. Além disto, defende a criação de incentivos a “exportação de resseguro”, fazendo com que as Resseguradoras Locais, de origem nacional ou não, se dediquem não só a absorver os excedentes de riscos das Seguradoras brasileiras mas também a trazer para o Brasil os resseguros de outras regiões.
     
    Outra corrente, muito bem coordenada e liderada pelos grupos resseguradores mundiais e seus governos e por algumas seguradoras brasileiras subsidiárias de grupos internacionais, válida e aguerridamente luta em defesa de seus interesses próprios, defendendo a desregulamentação do mercado de resseguros brasileiro, a eliminação dos incentivos a indústria local e a liberação de compra de resseguros, e eventualmente de seguros, no mercado internacional, particularmente em suas próprias matrizes no exterior.
     
    Esta disputa, suas motivações e seus argumentos devem ser analisados dentro do contexto atual mundial do Mercado de Resseguros. A indústria global de resseguros e em particular os mercados tradicionais passam hoje por grandes desafios:
     
    – A capacidade mundial excessiva, implicando em grande competição e depressão dos preços de resseguro;
    – A competição do enorme Mercado de Capitais que através das ART – Transferências Alternativas de Risco tem abocanhado parte das receitas dos mercados tradicionais de resseguro;
    – A forte tendência de formação de Mercados Regionais de Resseguro, entre eles o do Brasil, que tem competido com os mercados tradicionais pelos riscos de suas regiões de atuação.
     
    O problema de capacidade mundial excessiva, apesar de estar se apresentando com uma duração maior que a normal, deverá, ao menos parcialmente, se reverter num futuro próximo. Já a concorrência do Mercado de Capitais e a tendência mundial de criação dos novos Mercados Regionais de Resseguro fora dos centros tradicionais parecem que vieram para ficar.
     
    Uma análise mais profunda da criação dos Mercados Regionais de Resseguros, em substituição ao modelo vigente até recentemente de concentração do resseguro em mercados tradicionais é de interesse imediato do Mercado Brasileiro de Resseguros e do próprio Brasil.
    Os mercados tradicionais, liderados por Londres e particularmente pelo Lloyd’s, parecem convencidos da tendência mundial de formação dos Mercados Regionais, como os já estabelecidos nas Bermudas, em Zurich, em vários países na Ásia, no Oriente, na África, e nos Estados Unidos – particularmente em alguns estados americanos.
     
    Tendo consciência desta tendência, os mercados tradicionais de resseguro se posicionam para a competição com uma dupla estratégia:
     
    – Primeiramente, com grande apoio de seus governos, embaixadas e entidades de classe, tentam limitar o numero de mercados regionais em formação no mundo, através de incentivo a padronização global de uma “regulamentação desregulamentada”, facilitando a operação de “fronting” e a compra direta de resseguro nos mercados tradicionais internacionais;
    – Em segundo lugar, onde consideram ter perdido a luta acima descrita e a formação do mercado local ser inevitável, instalam-se fisicamente e se estabelecem como Resseguradores Locais nos mercados regionais já formados.
     
    Diferentemente do normalmente divulgado pelos porta vozes dos mercados tradicionais, o Brasil não é uma exceção. Todos os países desenvolvidos têm fortes ferramentas, formais ou não, de proteção e incentivo das suas indústrias financeiras locais e em particular das indústrias de seguros e resseguros. Exemplos como os Estados Unidos, a Índia, a China, o Japão, o Canadá e muitos outros usam regulamentações e politicas diferentes mas todos incentivam fortemente seus respectivos mercados locais. Talvez devido a disputa acima descrita estamos vendo no momento uma tendência global ainda maior de aumento desta proteção.
     
    Os Estados Unidos, que já tem regras estaduais duras para restringir a atuação de seguradoras e resseguradoras de fora dos estados americanos e para reter no país o premio de resseguro originado localmente, estuda no momento, através do governo federal, regras para restringir a atuação no mercado americano de companhias estabelecidas das Bermudas e em outros territórios fora do país. A própria Inglaterra, maior defensora da liberação de regulamentação, acaba de proteger o seu mercado, implantando impostos adicionais para Seguradoras que utilizam serviços de seguro, de regulação e de indenizações e reparos providos por outros países.
     
    O Brasil é um jovem mercado de resseguros, tentando se estabelecer regionalmente, com competência, inovação e eficiência mesmo tendo como um adversário quase insuperável o “custo Brasil” extremamente superior ao de outros países sedes de resseguradoras internacionais. Varias empresas locais de capital nacional e internacional se estabeleceram aqui e vem investindo e trabalhando arduamente para aprimorar o mercado local e se aproximar do conhecimento dos grandes centros. Daí a enorme importância deste tema no momento atual, para o Brasil e para a indústria brasileira de seguros e resseguros, que mereceria estar recebendo de seus órgãos de classe ferrenha defesa e do governo brasileiro crescente incentivo e profunda analise das fortes ferramentas de proteção utilizadas nas economias desenvolvidas.
     
    Entretanto noticias recentes dão conta de que, ao contrário, medidas em direção a retirada de incentivos locais
    deverão ser implantadas brevemente. Difícil justificar estas medidas, que induzem a remessa de recursos ao exterior, quando ao mesmo tempo se fala em incentivar a repatriação de recursos brasileiros no exterior. Parece a utilização do mercado de seguro como moeda de troca para agradar possíveis investidores em outras áreas. Pior que o conteúdo das medidas, qualquer que ele seja, é o fato de sua implantação estar sendo feito sem dialogo, somente para alivio de pressão internacional, sem explicitar claramente qualquer beneficio para o próprio mercado brasileiro.
     
    As medidas anunciadas vão em sentido contrario a tendência mundial, liberalizando a regulamentação sem que, como dissemos, nenhum benefício oriundo desta liberação possa ter como beneficiário o mercado brasileiro, os consumidores de seguro ou o próprio Brasil. Qualquer argumento que aponte um benefício local para os consumidores, para o mercado ou para o próprio país pode ser imediatamente rebatido com sólidas respostas. Os únicos beneficiários serão os mercados internacionais que captarão grande parte se não a totalidade dos restantes 35% dos prêmios retidos no Brasil e destruirão a iniciativa do nascente mercado brasileiro de resseguros transformando-o num mercado de “fronting” internacional.
     
    Mais relevante ainda é a grande possibilidade de grande parte do mercado de seguros, com exceção dos seguros de varejo, também se transformar num mercado de “fronting”, dominado por seguradoras com matrizes no exterior com enorme capacidade de subscrição que com a desregulamentação do resseguro tenderão a enviar todo seu premio ao exterior, sem nenhum beneficio local.
     
    O risco da opção de direcionamento neste caminho será vermos no Brasil os Resseguradores Locais desmanchando seus quadros de pessoal duramente formados e se transformando em verdadeiros operadores de “fronting”, com a única função de “repassadores de premio” das seguradoras internacionais estabelecidas no Brasil para suas matrizes localizadas no exterior, de quem o mercado brasileiro de seguros será dependente. Talvez uma boa opção financeira para as resseguradoras locais mas não para o Brasil. Depois de algum tempo por este caminho, provavelmente veríamos no seu final um cenário pelo qual o Brasil já passou. A grande drenagem dos recursos nacionais de prêmios de seguro traria o retorno de ideias voltadas para o desenvolvimento de um “inovador projeto de criação de um Monopólio Estatal Brasileiro de Resseguro” para evitar a mencionada drenagem e criar um forte mercado nacional de seguros.
     
    Estaríamos de novo em 1940, infelizmente. Acreditamos que, diferentemente, o melhor para o país é continuar respeitando a estrutura básica da regulamentação que tem se mostrado de sucesso, mantendo sua estabilidade no longo prazo trazendo confiança ao mercado e incentivando a transformação do Brasil num mercado regional, um Polo de Resseguros. Resseguradores Locais, de origem nacional ou estrangeira, serão obrigatoriamente cada vez mais fortes e capacitados, atuando não só no mercado brasileiro mas também aceitando com competência riscos do exterior.
     
    Alguns outros Grupos Resseguradores Internacionais licenciados a atuar no Brasil de forma “off shore”, diretamente de suas matrizes, provavelmente também se estabelecerão como Resseguradores Locais fortalecendo mais ainda o mercado brasileiro. Este caminho é similar ao caminho que vários mercados atualmente desenvolvidos, como os Estados Unidos, seguiram ao longo do século passado e montaram suas fortes indústrias de seguro e resseguro.
     
    Um sinal da vitória definitiva desta opção será dado no dia em que virmos, com muito orgulho, também o Lloyd’s se instalando localmente no Brasil e atuando lado a lado com o IRB e outros Resseguradores Brasileiros num Polo Regional Brasileiro de Resseguros, aumentando a base de investidores institucionais do país, desenvolvendo negócios, formando um mercado local dinâmico e inovador e trazendo divisas para o país.