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    A importância de programas de Compliance para o mercado de Seguros

    2015-01-16

     
    Por Camila Leal Calais e Marcella Hill (*)
     
    Após importantes mudanças na economia brasileira nas últimas décadas, principalmente em função das privatizações, foi necessária uma adequação do papel do Estado na economia. A própria Constituição Federal já previa tal necessidade determinando o Estado como “agente normativo e regulador da atividade econômica”, exercendo “as funções de fiscalização, incentivo e planejamento” [1]
     
    A regulação do mercado visa dois objetivos essenciais: defender os direitos dos cidadãos; e oferecer segurança jurídica para as empresas privadas. Para tanto, são criadas normas que estabelecem os parâmetros corretos de conduta que devem ser seguidos pelos participantes de um dado mercado.
     
    O setor de Seguros segue este mesmo racional, onde o Conselho Nacional de Seguros Privados e a Superintendência de Seguros Privados estabelecem as regras a serem seguidas pelas seguradoras, resseguradoras, entidades de previdência privada e capitalização, dentre outros, visando a defesa dos consumidores dos produtos de seguros e um mercado seguro para as atividades dos entes regulados no que tange a solvência, fraude, lavagem de dinheiro, entre outros aspectos.
     
    Para que o mercado possa existir e evoluir de modo saudável, é importante que as regras emanadas pelos órgãos reguladores sejam efetivamente cumpridas. O efetivo cumprimento destas regras pode ser traduzido como “Compliance”. Este termo, proveniente do verbo da língua inglesa “to comply”, significa cumprir, executar, observar, satisfazer o que foi imposto. Ou seja, é o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de um determinado setor.
     
    Compliance tem uma relação direta com o cumprimento de programas ou políticas adotadas por uma determinada empresa relacionadas a sua gestão. Estes programas são preparados para identificar ações de riscos internos de operacionalidade, uma referência para estratégia e prevenção de potenciais riscos a que uma empresa pode estar exposta.
     
    Em função do universo e complexidade de normas que são emanadas pelo CNSP e pela SUSEP, aplicáveis às mais diversas atividades dos entes regulados, surge então a necessidade de criação de programas de Compliance adequados às atividades das seguradoras, resseguradoras, entidades de previdência privada e capitalização, dentre outros.
     
    Os programas de Compliance são compostos por conjuntos de práticas desenvolvidas dentro de uma empresa com intuito de zelar pelo cumprimento de leis, regulamentos e normas aplicáveis a todas atividades por ela desenvolvidas, ainda que fora do seu objeto social. Estas regras podem ser internas, tais como políticas da própria empresa e/ou do grupo econômico ao qual pertencem, governamentais ou provenientes de estruturas de auto-regulação.
     
    De acordo com as regras aplicáveis ao mercado securitário [2], alguns critérios mínimos devem ser observados, tais como (i) a orientação, formação e reciclagem de empregados e diretores sobre políticas de combate à lavagem de dinheiro, (ii) a elaboração de manuais de controles internos, (iii) a organização da coleta, sistematização e checagem de informações sobre clientes, empregados, parceiros, representantes, fornecedores e operações praticadas com sua colaboração ou assistência, principalmente em caso de pessoas politicamente expostas, (iv) a comunicação aos órgãos reguladores competentes sobre atos suspeitos relacionados a lavagem de dinheiro, (v) a implementação de sistema de riscos relacionados às suas atividades, (vi) a política de prevenção a fraudes, e (vii) política de subscrição de riscos.
     
    Vale lembrar que os diretores das sociedades destinatárias destas regras são responsáveis pela efetiva adoção de tais critérios mínimos pela empresa. Tais critérios mínimos são mandatórios para sociedades destinatárias destas regras, mas podem também trazer diversos benefícios aos entes regulados ao fazerem com que estas sociedades tenham controles diversos sobre suas atividades. Estes controles, quando efetivamente aplicados, reduzem as chances de infrações às leis e normas aplicáveis, minimizam perdas financeiras, protegem a reputação, auxiliam na detecção de possíveis problemas, estabelecem uma cultura interna de comunicação e reporte. Programas de Compliance demonstram que a empresa está comprometida a fazer o seu trabalho de forma ética e legal e possui uma boa comunicação interna. Para que estes controles funcionem efetivamente, é importante que todos os colaboradores da sociedade tenham conhecimento da sua existência e atuem de acordo com tais regras.
     
    Estes controles são fundamentais para o mercado de seguros, que também está sujeito a inspeções in loco da SUSEP. Nestas inspeções, a SUSEP tem estado cada vez mais preocupada em verificar, dentre outros aspectos das atividades dos entes regulados, a existência de políticas de controles internos e o efetivo cumprimento e aderência a estas políticas pela sociedade e seus colaboradores. Caso sejam verificadas possíveis irregularidades ou não cumprimento das normas em vigor em uma inspeção pela SUSEP, os entes regulados estão sujeitos a processos administrativos sancionadores que podem resultar em multas de valores significativos.
     
    A Resolução CNSP n° 243, de 6 de dezembro de 2011, trouxe a possibilidade de aplicação de multa administrativa à pessoa natural ou física responsável pela infração em situações em que for possível identificar ou atribuir a ela o dolo ou culpa pelo ilícito administrativo apurado. Portanto, considerando que a responsabilidade para efetiva adoção de critérios mínimos de controles internos é dos diretores/administradores das sociedades destinatárias das regras de Compliance, é ainda mais importante que tais controles sejam efetivamente estabelecidos, de modo a evitar possíveis processos administrativos e multas, tanto à empresa quanto aos seus gestores.
     
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    [1] Artigo 174.
     
    [2] Especialmente a Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998, a Circular SUSEP n° 249, de 20 de fevereiro de 2004, alterada pela Circular SUSEP n° 363, de 21 de maio de 2008, a Circular SUSEP n° 344, de 21 de junho de 2007, e a Circular SUSEP n° 445, de 2 de julho de 2010.
     
    (*) Sócia e advogada, respectivamente, do escritório Mattos Filho.
     
    Fonte: Artigo publicado originalmente na revista Opinião.Seg, Edição nº 8 - Agosto de 2014 - páginas 21 a 23.